20 de out. de 2013

O Colecionador De Tetos

  Poeira rodopiava do quarto abafado cheio de livros, com uma cama solitária e um armário velho que guardava vários livros, aquele quarto raramente era frequentado pelos moradores da casa.
 Mas por ser pequeno, Jean de La Huerta gostava de brincar de colocar a mão no teto, por isso se agachava e pulava, pegando impulso enquanto a gravidade contava os segundos para levá-lo de volta ao chão. Após um primeiro fracasso, Jean tinha a certeza de que por poucos centímetros o seu objetivo não havia sido cumprido, mas que com um pouco mais de esforço, ele venceria a brincadeira e depois pularia mais vezes só para ter a sensação de colocar a mão no teto mais uma vez e constatar a fragilidade daquele limite mediante a sua capacidade.
  Assim, Jean se agachou e pulou, seu coração começava a disparar com maior facilidade, estendia as mãos o máximo possível, vislumbrava aquele teto branco próximo a sua visão, sua vontade de vencer aumentava e novamente seus dedos se perderam na solidão da derrota provocada pelos segundos que Jean descia para o ponto de partida.
  E foi assim sucessivamente, fracasso diante de fracasso. Jean colocava a mão no peito e sentia o seu coração bater acelerado, respirou rapidamente e decidiu repousar antes de continuar a agitar a poeira que encobria aquele quarto.
  Sentou na cama, segundos depois deitou na cama desarrumada.
  O teto parecia muito mais distante.
  Intrigado, Jean esticou o braço e estendeu os dedos no seu campo de visão, agora podia imaginar seus dedos tocando aquele teto levemente, acariciando-o, e perdendo o contato com ele ao mesmo tempo em que sabia que podia nutrir daquela sensação a qualquer momento.
  E por um longo tempo ele acreditou nessa história, porém nunca a sensação de tê-lo em contato com a sua pele aconteceu. Jean e o teto continuavam tão perto e tão longe, que a imaginação era a única forma capaz de unir o desejo de ambos.
 Cansado, aos poucos seus olhos claros se fecharam para uma soneca de poucas horas.

  - O que você quer ser quando crescer?
  - Eu quero ser general do exército brasileiro- respondeu Ricardinho, um garoto detestável.
  - Professora- respondeu Antônia.
  - E você Jean?- perguntou a Senhora Marília.
  Jean passou as mãos pelos olhos e arrastou-as até o nariz.
  - Eu quero ser caçador de tetos.
  Marília riu.
  -Interessante- pronunciou.
  - Isso não existe- disse Ricardinho- Você está inventando. Quatro olhos.
   A forma como ele falou quatro olhos podia ser interpretada como se Jean fosse anormal.
   - Ricardinho! Não fale assim com os seus colegas- Reprimiu a professora.
  Naquela tarde fria de outono, quando Jean chegou em casa, ficou tão transtornado com as palavras de agressividade de seu colega, que ao entrar no banheiro se derramou em lágrimas diante da pia e olhando para o espelho.
  Seus olhos azuis pareciam como um mar em dia de tempestade, seus traços labiais faziam caretas poucas vezes vista. Podia observar a caricatura da tristeza em seu próprio rosto. Mais uma vez se sentia um derrotado, até que ouviu alguém bater a porta.
 - Jean?- Chamou a sua mãe- Está tudo bem?
  Jean de La Huerta colocou as mãos próximas do peito, respirou profundamente e o mais silenciosamente possível e respondeu com uma voz normal:
  - Tá tudo bem.
  - O papai já ligou, daqui a pouco será servido o jantar. Não demore.
   - Já estou indo.
  Jean abriu a torneira e começou a lavar o rosto até a tempestade nos seus olhos se tornarem um oceano azul em dia de sol com o céu limpo de nuvens.
  Quinze minutos depois o garoto desceu as escadas, deu um beijo no rosto do pai e se sentou para jantar.
  - Essa cidade está um inferno. Tivemos mais destruição de patrimônio público com esses marginais infiltrados nas manifestações- disse o pai vendo as imagens do jornal da noite na televisão.
   Eles sempre deixavam a televisão ligada, porém ela sempre ficava no mudo para que não os distraíssem durante o jantar e em nenhuma das refeições em família, oportunidade que eles apreciavam muito.
   A mãe nem prestou atenção. Estava atenta com a lasanha e preocupada com o bolo no forno que não crescia.
  Jean pegou os talheres e começou a bater um no outro, fazendo um barulho engraçado, contudo, logo seu pai se incomodou e pediu para que ele parasse. Depois disso ele ficou aguardando a lasanha ansiosamente, sem nada para fazer. Apenas pensar. Até que uma ideia se iluminou com força em sua mente.
  - Pai, o que você queria ser quando era pequeno?
   Desprevenido com a pergunta repentina, o pai afagou a cabeça do filho e disse:
   - Espera um pouquinho Jean, só me deixa ver essa parte dos gols. Ontem o Brasil ganhou da Coreia de dois a zero.
   Jean bufou, o tédio começou a consumi-lo. Durante o jantar o seu pai nem havia se lembrado de responder a sua pergunta. Sua mãe estava num desgosto só, ela parecia que tinha feito o menor bolo do mundo.
   - Será que um dia você poderá fazer um bolo tão pequeno que será imperceptível a olho nu? – perguntou o garoto.
  A mãe nem respondeu, apenas sorriu enquanto pegava mais um pedaço de lasanha com o garfo e levava-o a boca.
  O resto do jantar foi o mais silencioso possível. A comida estava ótima, isso ninguém podia reclamar, mas a falta de interação entre eles naquele dia era nítida. Cada um levando um fracasso do dia nas costas e sem querer compartilhar daquele peso com nenhum outro membro da família para não expor as suas fraquezas diante das pessoas que mais amavam no mundo.
   Naquela madrugada, Jean acordou e se encaminhou para o quarto solitário, queria saber se durante a noite o teto ficava mais próximo do chão. Colocou as pantufas do Mickey e abriu a porta silenciosamente. Devagar, desceu as escadas e foi encoberto pelo breu quando chegou à sala. Durante aquela parte do dia ela parecia bem assustadora. As cadeiras envoltas da mesa pareciam solitárias e tristes, o relógio parecia declamar um poema assustador, seu barulho era muito mais intenso durante a noite.
  Tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac…
   Ecos da finitude que o homem criou a si mesmo.
   Segundos, minutos e horas ininterruptas de uma vida que parece não ter fim.
  O tempo foi essencial ao fornecer ao jovem Jean se acostumar com o escuro e visualizar melhor os elementos que o permeavam naquele cômodo.
   Segurando-se fortemente em alguns objetos para não cair, Jean conseguiu se mover até a porta que dava acesso ao quintal. Da janela já dava para visualizar aquele local coberto pela luz do luar. Um espaço sem teto, sem limites. Infinito e encantado com anjos e histórias de esperança e solidão.
   Com aqueles olhos azuis intensos, Jean podia se esbaldar na beleza que afogava seu pessimismo por meio da visão que o tranquilizava em seus sonhos mais lindos.
   Ele girou a maçaneta e empurrou a porta.
   Um feixe de luz invadiu a sala, dando elegância aos móveis inebriados pela escuridão.
   Uma cortina de luz se formou e separou o cômodo em dois. Bolinhas brancas flutuavam no quintal num misto de brilho e transparência. Jean boquiaberto continuou o seu caminho, fechou a porta da sala e destruiu a cortina, que silenciava o tempo durante as belas manhãs.

   Estava frio no lado de fora da casa, por isso, Jean esfregou as mãos nos braços num ritmo acelerado. As bolas de sabão explodiam em poucos segundos. Mas a lua cheia mantinha seu ar soberano no céu.
   Jean de La Huerta se apressou para chegar ao outro lado do cômodo, passou por uma mangueira enrolada no chão, uma bola de futebol que ele e seu pai costumavam brincar durante os fins de semana e vários pregadores que haviam se soltado do varal por meio da ação do vento.
   A porta antiga de madeira parecia cada vez mais alta enquanto o garoto se aproximava.
   O teto o esperava com a mesma tintura e altura de outros tempos, e dessa vez o garoto torcia para que já tivesse ganhado alguns centímetros comparados com outrora. Sua mão tocou a maçaneta e puxou-a para baixo. Jean empurrou a porta para frente quando um barulho de carro saiu do quarto antigo e o sol desvendou um verde primaveril diante dos seus olhos.

 - O que está fazendo de pijama numa hora dessas? – Advertiu o seu pai.
  Um carro barulhento havia acabado de passar pela rua fazendo propagando de sorvetes por um real. Sua mãe, com um vestido roxo longo regava com a mangueira as flores do jardim. O pai havia deixado de lado os ternos e gravatas para vestir uma camisa regata e uma bermuda de praia. O dia estava lindo.
  - Vai se arrumar querido- Ordenou a mãe- Nesse momento seu pai pegou-o no colo com a maior facilidade e colocou-o sentado nos seus ombros. Naquele momento um sorriso aflorou dos lábios do garoto. Era um gigante agora, maior que qualquer pessoa que já tinha visto na vida.
  O pai correu no meio daquelas árvores, e o vento beijou-lhe a face.
  Jean estava irradiante, não sabia se estava com medo de cair ou com medo de acordar.
  Só conseguia sorrir, e acariciar os cabelos negros do pai como uma forma de agradecimento.
  - Como está ai em cima?- perguntou o pai.
  O filho não conseguia responder, observava a grossura dos galhos, os pássaros no topo das árvores, o teto vermelho vivo da casa e os tetos parecidos dos vizinhos.
  - Pai, me leva ali na varanda? Quero colocar a mão no teto da entrada da casa.
  - É pra já- disse o pai aumentando a velocidade e a adrenalina, fazendo Jean extravasar com alguns gritos pela perspectiva de poder cair de seus ombros.
  - Está firme assim em cima, garotão?
  - Sim!
   O pai subiu os três degraus que davam acesso à varanda cuidadosamente.
   O coração de Jean voltou a bater mais rápido. O teto cada vez mais próximo do toque de seus dedos. Do contato, da pele com o material sólido. Podendo alcançar a finitude.
   Quando estava estendendo a mão para tocar o teto, Jean foi assustado por um grito, até que rodopiou, rodopiou e se atirou dos ombros de seu pai até cair nos lençóis de sua cama, no travesseiro e na coberta que o protegia do frio da noite, e que estava jogada no chão.
   Alguém bateu na porta.
   - Jean, hora de levantar. Já estamos ficando atrasos para chegar à escola.
   Jean olhou para o teto do seu quarto com amargura. Esse ele tinha certeza de que jamais tocaria.                  Levantou-se da cama e começou a se arrumar. Colocou o uniforme com os olhos meio fechados, logo bocejou.
   Praticamente se arrastou pelo corrimão até a sala com a mochila nas costas. Sentou-se na primeira cadeira visível e de repente ficou espantado com os olhos fundos e vazios de sua mãe.
  - O que aconteceu? – perguntou o garoto. A mãe continuou o seu malabarismo com as panelas até colocar o leite e as torradas na mesa. Limpou as suas delicadas mãos no avental e sentou-se na cadeira que ficava de frente para o filho.
  - Coisas da vida- disse ela- Um dia dormimos de um jeito, e no dia seguinte podemos acordar numa situação completamente diferente. Falando nisso- continuou ela, pegando o guardanapo e limpando os lábios sujos de chocolate do filho- Depois da escola a mamãe precisa conversar com você.
  - O que eu fiz?- rebateu o menino, emburrado.
  - Você não fez nada querido- sua voz era doce, mas seu rosto mantinha a mesma amargura.
  Jean de La Huerta levantou-se, deu a volta na mesma e abraçou a sua mãe. Seus braços se cruzaram, os rostos se mantiveram colados até o filho beijar-lhe o rosto.
  - Obrigada.
  - Pelo que mamãe?
  - Por existir.
  Um sorriso aflorou dos lábios dos dois. A esperança parecia reluzir uma chama mais poderosa. A conversa havia terminado. No percurso até a escola, os dois se mantiveram calados durante todo o caminho. Fragilizados pelas mudanças das próximas horas, palavras de adeus foram pronunciadas para atenuar o máximo possível à normalidade dos próximos minutos.

  Algumas Horas Depois
  A chuva caia com tristeza no asfalto. Dentro do carro amarelo em frente à residência dos De La Huerta, o motorista virou o corpo e perguntou para o patriarca daquela família:
  - Para onde vamos senhor?
  Ele virou o rosto e observou, pelo vidro embaçado, a fachada da casa que um dia foi o seu lar. De repente, uma decepção contaminou o seu peito. Seus dedos apertaram o botão para abaixar o vidro, e dessa vez ele conseguiu enxergar com nitidez o mundo que deixava para trás.
  A casa continuava com o mesmo aspecto do dia em que entraram pela primeira vez.
  Com um jardim florido, uma aparência solar e com a esperança de que tudo terminaria ali. Nesse momento ele lembrou-se até das promessas que não havia cumprido.
  - Te amarei para sempre- pronunciou no primeiro dia após o casamento.
  Sua esposa, deslumbrante em sua visão e em seus pensamentos beijou-lhe os lábios com afeição. Durante aqueles segundos, nenhum dos dois pensava nos obstáculos que poderiam surgir ao longo da vida. Nesse momento de infindável realização, parecia que apenas os dois submergiam de um oceano profundo de limites e perigos. Parecia que podiam viver apenas de amor.
   O pai suspirou profundamente, apertou o botão para subir o vidro e disse:
   - Rua Arthur Thiré- Vamos para um lugar melhor, pensou.
   O motorista assentiu e apertou o acelerador até a casa se tornar uma lembrança nas ruas do pensamento. 

   A mãe observou, pela janela do quarto no andar superior, o táxi se distanciar.
   Uma mala estava aberta em cima da cama desarrumada. No armário o espaço destinado às roupas do marido estava vazio. Com o olhar perturbado, ela não conseguia esquecer as palavras da última noite.
   - Sophia, eu tenho uma coisa muito séria para te dizer- disse David, sentado na beirada da cama com uma mão esfregando na outra- Desde que nos casamos nossa vida nunca foi igual àquilo que imaginávamos. Mas, mesmo assim, tentamos modificar o nosso jeito para que nossos sonhos se tornassem realidade.
   - Não estou gostando dessa história, David. Diga logo aquilo que você quer dizer. Não coloque a culpa de tudo isso na nossa relação. Assuma, diga de uma vez por todas as suas limitações. Você acha que eu não percebo? Você acha que eu não sinto? Que o coração que bate no meu peito é feito de gelo?- Essas últimas palavras foram ditas com a voz alterada.
   Sophia levantou-se e fechou a porta para não acordar o filho Jean, que nesse momento sonhava com os pais no jardim da frente.
   - Se você sabia de tudo que nós estávamos passando, porque você não fez nada?- Perguntou David, passando as mãos pelos cabelos lisos e negros.
   Uma lágrima caiu de seu rosto no presente. Sophia olhou para o espelho e viu o tempo esculpido na sua face. As rugas, as marcas, o corpo. Não era mais aquela garota que arrebatava o coração dos garotos do bairro. Agora se sentia velha e gorda, mesmo que não estivesse. David não a queria mais. David não a queria mais. David não a queria mais. Palavras que ressoavam em seus ouvidos.
   Ela voltou a fechar os olhos e a briga de alguns minutos atrás veio à mente.
  - Quem você pensa que é? Quem você pensa que é?- Perguntou ela com os olhos esbugalhados e com as mãos fechadas batendo no peito de David.
  - Pare com isso- disse ele, tentando imobilizá-la- Você não vê que está assustando o garoto.
   Jean de La Huerta observou quando o pai empurrou a mãe e ela esbarrou na mesa da sala e fez cair o retrato da família de que ele tanto gostava. Um risco de ruptura destruiu a beleza do congelamento da felicidade daquele momento. Os três riam naquele dia para a câmera, felizes por estarem juntos. E quem imaginaria de que anos mais tarde, essa foto seria o símbolo da destruição de sua família?
  Alguns cacos de vidro invadiram o chão.
  - Você viu o que você fez?
  - Eu quero que você entenda Sophia. Eu não deixei de gostar de você do dia pra noite. Eu te amei, e tentei fazer o máximo possível para preservar a nossa família. Contudo, eu não consegui. Paciência. A nossa história acabou.
  - Fez de tudo? Você chegava do serviço e nem dava atenção para o seu filho. A televisão parecia te enfeitiçar. Eu não recebia um elogio. Dia após dia, fazendo todos os afazeres, tentando te agradar. Aceitando os seus erros e as suas vontades.
   - Não coloque o Jean no meio dessa história- implorou o pai- Filho, suba para o quarto.
   - Não Jean. Fique- ordenou a mãe- Cansei de lutar. Suma da minha vida, David. Você nunca ocupou o seu espaço na nossa família. Agora- seus lábios estavam molhados de raiva- Diga para o seu filho como você destruiu a nossa história. Mostre para ele o seu fracasso, as suas limitações. O homem egocêntrico que se tornou- Ela deu as costas para os dois e continuou a falar enquanto subia a escada- Vou subir e arrumar minhas coisas e as do Jean. Vamos para a casa da vovó querido- disse para o filho.
   Voltou a abrir os olhos, a maioria das roupas já estavam dobradas e dentro da mala. A chuva continuava a bater na janela. Sophia olhou para o teto, e sabia que logo acabaria.

  O porta-retratos estava espatifado no chão. Mais a frente à porta que dava para o quintal estava aberta.       Jean já se encontrava dentro do quarto antigo. Não perderia a oportunidade de tocar-lhe o teto, nem que fosse a sua última tentativa. O cheiro de coisa velha continuava impregnado no ar. O garoto abriu o armário e teve uma boa ideia. Pegou os livros antigos e começou a empilhá-los um em cima dos outro. Dessa vez teria a altura necessária para tocar os limites daquele quarto, sua última chance.
  Suas mãos tremiam, lágrimas escorriam dos seus olhos. A despedida do pai havia sido um momento muito difícil, conseguia lembrar-se do barulho das rodinhas de sua mala deslizando pelo chão de madeira da sala. Do abraço carinhoso, das promessas de que o amava e de seu corpo sumindo no retângulo que irradiava espectros de luz fraca para a liberdade do mundo sem fronteiras. O futuro sem ele parecia muito assustador, nesse momento, Jean não conseguia imaginar sua nova vida na casa da avó. Com tetos tão próximos como os pés do chão
  .Limpou as lágrimas com as mãos e empilhou os livros. Um por um, cuidadosamente.
   O coração começou a bater mais depressa enquanto ele subia naquela montanha de conhecimento. A respiração ficou mais rápida. Os joelhos afrouxaram alguns centímetros para ganhar impulso. Uma das mãos se estendeu o máximo possível para cima. Faltavam poucos segundos. A poeira que cobria o quarto estava preparada para se movimentar junto ao vento.
   Três, dois, um, pensou o colecionador de tetos.
    Jean pulou junto com algumas lembranças.
   - Eu preciso encostar-me ao teto- disse ao pai.
   - Você não precisa- disse o pai com cicatrizes corroendo-lhe o peito- A sensação de passar limites é fantástica, mas logo chega o momento de colocar os pés no chão. E nada é mais duro do que perder as idealizações que tanto sonhou, e chegar ao chão com a impressão de que era melhor nada daquilo ter ocorrido.
   - O que você enxerga mãe?- Perguntou o garoto junto à mãe, admirando a paisagem que se estendia na janela do quarto.
   - Só o que meus olhos conseguem ver- disse ela sabendo que havia muita coisa, além disso.
    - Mas você pode imaginar- insistiu ele.
    - Sim. Mas não posso sentir.
     As nuvens se dissiparam quando seus dedos tocaram algo duro, algo almejado ao longo de muito tempo, o teto.
    Poeira rodopiava o corpo do garoto.
    Os livros se desalinharam e se destrincharam do monte.
    Jean agarrou-se ao concreto que tanto desejava.
    No fundo, todos somos colecionadores de tetos, barrados por nossas limitações. Ao longo da vida tentamos superá-las, mesmo sendo difícil, sempre persista! Ao longo da vida dezenas de pessoas tentarão nos desmotivar, tentando convencer-nos de que somos malucos e de que nossos sonhos nunca se tornarão tão sólidos quanto o teto de uma casa aconchegante. Às vezes sentiremos que é melhor continuar naquele quarto antigo em que vivemos todos os dias, naquela rotina que nos protege das recompensas e dos perigos do oceano que cerca a vida. Um escudo sufocante que nos impede de viver!
   Perfure o teto e encontre novos limites. Você é capaz! Lá fora existe um vento forte pra nos renovar, um céu que nos faz crescer e uma lua que nos faz sonhar!
  O teto tocou Jean, e mostrou que a sua felicidade não morava ali.
 
  Fim!