À noite numa
floresta, passos ecoavam em meio à solidão. O barulho assustador fazia com que
os pássaros voassem para um local mais tranquilo. Folhas amareladas aos poucos
caiam com o forte vento. E os passos continuavam cada vez mais fortes,
procurando encontrar algo que não se pode ver. Não se pode ouvir, muito menos
sentir.
Depois de algum
tempo, andando por entre as árvores escuras, que pareciam esconder o grande
tesouro da floresta. César Augusto, Anita Tollynni e Fernando Andrade
encontraram um círculo de campo aberto. Anita estava esgotada. Suor atingia-lhe
o rosto. Não sabia mais o que procurava, só sabia que devia continuar andando.
Seu desejo corroía a sua alma, aos poucos sua razão aparecia para lhe ensinar
algumas lições, porém seus passos automáticos mostravam que sua decisão já
estava tomada, seu corpo apenas correspondia ao seu desejo. Mesmo com dor,
devia continuar. Só os fortes conseguiam alcançar os seus sonhos.
A lua atingia o seu
esplendor. César sabia que desde o começo sua família o comparava como um
grande imperador. Em seus ombros, carregava grandes responsabilidades. Queria
vencer o mundo, sabia que para alcançar esse objetivo, dinheiro era essencial.
Porém, após descobrir o segredo da floresta, nada parecia importar. As
expectativas da sua família viviam em segundo plano. Dinheiro não era mais uma
preocupação, agora tinha obstáculos muito maiores para enfrentar. Lua e sol
pareciam meros coadjuvantes naquele cenário. Logo o papel principal ficaria
encarregado de deixar os leitores cheios de expectativas, que no final deveriam
ser aplaudidas ou vaiadas.
O silêncio
instalou-se no local. Fernando Andrade vivia com medo, desde criança, o que
mais queria era estabilidade. A noite sempre rezava para que seu mundo nunca
desmoronasse em meio aos seus pés. Nada podia ser mais frustrante do que
enfrentar aquilo que não se podia ver. Só de pensar na possibilidade de ocorrer
algo que não estava em seus planos causava-lhe um nó no estômago difícil de
suportar. Mas, mesmo assim, estava ali. Procurando uma grande aventura com
recompensas assustadoramente positivas.
Os três
compartilhavam o calor da juventude. Tinham dezoito outonos completados e
sonhos que nunca desapareciam de suas lembranças, muito menos de seus corações.
- É melhor
esperarmos até amanhã para continuar nossa empreitada- disse César com seus
olhos escuros como ônix. Desde que se conheceram ele sempre gostava de tomar as
decisões mais importantes do grupo. Como seus pais diziam, seu nascer em agosto
ajudou-o a ter no sangue espírito de liderança. Muitos na escola o chamavam de
quatorze, uma brincadeira referente ao rei Luís XIV que era considerado o Rei
Sol e líder do absolutismo na Europa.
- Não sei. O Cavaleiro dos Planetas nos disse
que encontraríamos a carruagem durante a noite. Precisamos encontrá-la o mais
rápido possível, novas pessoas podem estar sendo acionadas para essa missão,
não podemos fracassar- disse Fernando, cheio de ousadia. Parecia que era a
primeira vez que contrariava um líder nato. Suas palavras pareciam cheias de
razão, porém atrás da cortina do seu grande espetáculo de coragem, os
expectadores ainda podiam sentir o cheiro do medo espalhado pelo local. Com dor
nas costas, ele mudou a sua mochila das costas e colocou na parte da frente. Os
três levavam mochilas com alimentos, produtos de higiene e objetos que poderiam
servir de ajuda para necessidades extremas.
-O que você acha?-
perguntou César. Os dois se viraram para Anita esperando alguma resposta.
- Acho que Fernando
esta certo- Ela sabia que suas decisões deviam ser realizadas através de
grandes raciocínios. No fundo ela sabia que dos três ela era a mais fraca, e
por isso devia usar suas únicas fontes de poder para garantir frutos que no
futuro poderiam ser utilizados para a sua vitória. César se achava o mais
forte, não poderia aumentar ainda mais a sua autoridade, seria muito mais fácil
confrontar Fernando quando fosse necessário, já César, devia tomar grande
cuidado com suas ordens se ela quisesse encontrar a Carruagem Invisível junto
com eles, ou antes, deles. Para ter certeza de que nenhum dos dois a deixaria
para trás.
Os passos
continuaram a fazer barulho. Os três aventureiros voltaram a percorrer caminhos
por entre as árvores. Agora elas pareciam grandes amigas, já estavam
acostumados com o seu cheiro. O vento no rosto refrescava o calor que cada um
sentia devido aos grandes esforços físicos que enfrentavam.
Passos e mais
passos. Arvores a mais árvores. Pensamentos e pensamentos. Aquela aventura não
parecia ter fim, estavam muito próximos de duvidar de suas certezas e cair
sobre o abismo das incertezas. Vivendo num mundo cheio de mentiras e cheio de
verdades era difícil confiar no certo ou no errado. E cada passo mostrava mais
coragem, cada passo mostrava mais fé. Só os fortes sobreviviam. Seus
pensamentos eram suas piores fraquezas. Cada um via em seu reflexo o pior
inimigo. E mesmo assim, eles acreditavam, porque o mundo é feito de pessoas que
acreditam. Que observam uma rosa no asfalto e apreciam todo aquele esplendor,
que observam a chuva pegar fogo ou o sol se apagar. Sem sair da realidade,
desencadeando mundos e mundos de pequenas, médias e grandes verdades. Sem
fantasia, a realidade seria pó. Cada um cria suas próprias fronteiras de
imaginação em sua mente, para alguns não existe fronteiras, para outros falta
imaginação. Alguns vivem molhados na fonte, outros secos de verdades com razão.
Fernando sentou-se
e falou:
-Não aguento mais,
preciso descansar- Seus olhos azuis, seu cabelo curto castanho-escuro mostravam
cansaço. Contudo, sua mente mostrava razão.
-Concordo com
Fernando, precisamos descansar- continuou Anita cheia de autoridade. Seus
cabelos dourados e encaracolados cobriam os ombros, sua pele macia e seus olhos
cor de mel entravam em contraste com sua forte personalidade. Por fora parecia
doce, uma donzela, por dentro era forte e guerreira.
-Muito bem- riu
César- Estou do lado de pessoas que vivem mudando de opinião. As decisões não
parecem fazer o menor sentido. Porém, como humilde amigo, vou acatar aos seus
pedidos. Vamos parar por hoje.
-Se vocês quiserem
eu posso ficar acordado, de vigia- disse Fernando com palavras vazias que por
dentro queriam ter coragem.
-Pode ser- concordou
Anita, que se sentia a dona da situação.
César não disse
nada. Apenas deitou no chão próximo de uma árvore, colocou a mochila de lado e
ficou ali encarregado de silêncio.
Anita esticou os
braços, tirou a mochila das costas e deitou próxima a outra árvore.
Quero vencer. Estou
tão perto. Mas ao mesmo tempo estou tão cansada. Amanhã tenho que conseguir
encontrar a carruagem. Custe o que custar.
Os
três lembravam-se bem do dia em que o Cavaleiro dos Planetas os visitou e
explicou uma missão que trazia recompensas fantásticas.
- A carruagem
invisível pode ser encontrada quando a lua alcançar o auge do céu. Quem
encontrá-la poderá utilizar de seus segredos, poderá encontrar seus sonhos
escondidos no meio das galáxias, sumir pelo mundo ou encontrar o caminho do céu
e o riacho do amor. Seus segredos estão escondidos na Floresta Sem dono,
perdida durante anos. E só alguns poderão enxergá-la, porque nem todas as
pessoas possuem magia no coração.
E lá estava
Fernando, a cinquenta metros da carruagem invisível. Ele havia pedido para
descansarem só para encontrar a carruagem invisível enquanto estivesse
dormindo. Ela reluzia prateada no meio da floresta, linda e antiga. Cavalos
alados comiam grama e pareciam sorrir. Seu mundo estava perto de se tornar
fantasia, queria desfrutar de todos os sentimentos bons invisível, ficaria
escondido da sociedade e poderia realizar todos os mistérios despertados por
suas ideias dotadas de grandes histórias com final feliz e muita realidade.
Ficou ali aguardando. A glória estava tão
perto. Não podia deixar a vitória escorregar pelas suas mãos. Por isso
certificou-se de que seus colegas estavam dormindo e começou a caminhar em
direção a carruagem. Seus olhos azuis pareciam refletir o brilho das estrelas
do céu. Seu rosto parecia se iluminar, um largo sorriso queria despertar de
seus lábios. Quanto mais perto chegava, via que a carruagem era imensa, sua
porta tinha estrelas e planetas expostos em harmonia. Fernando olhou mais uma
vez para trás e chegou à conclusão de que a glória seria alcançada. Desde o
começo gostaria de vencer sozinho. Queria desfrutar de todos os limites. Queria
compreensão, não era mais aquele garoto medroso que ficava com medo do irreal.
Suas mãos já
podiam alcançar os cavalos alados. A
Carruagem invisível, eu consegui. Eu consegui. Sem saber como, a porta da
carruagem se abriu. Fernando ficou com os olhos esbugalhados, não sabia como
reagir, viu ela por dentro e foi surpreendido. De repente, a escuridão atingiu
o local, e seu mundo caiu na invisibilidade.
Anita acordou com o
vento beijando-lhe a face. Sua frieza a assustou, logo ela olhou para os lados
e descobriu que estava só. Não havia nenhum sinal de César ou de Fernando para
confortar os seus pensamentos.
A jovem correu para
os lados, gritando o nome dos rapazes em vão. Seu sonho já não existia mais.
Seus joelhos encontraram a terra fria e suas lágrimas percorreram seu belo
rosto.
Aos poucos ela
começou a correr, deixando a mochila para trás. Ainda tenho tempo, preciso vencer. Passo a passo, suas pernas já
estavam cansadas de tanto andar. De repente ela percebeu que a terra estava
banhada de sangue. Seus passos pisavam no líquido vermelho com cada vez mais
força. As árvores estavam assustadoramente escuras, o sangue começava a
aumentar. O líquido já chegava aos seus joelhos. Um grito ficou preso em sua
garganta.
Morreria afogada
pela essência da vida. As árvores pareciam sorrir. Seu aspecto sombrio lhe
causava medo. Anita segurou em um galho de uma árvore e começou a escalá-la até
o topo. Lá ficou observando o sangue aumentar, olhava para os lados e se sentia
cercada.
O líquido já
alcançava o seu quadril. Ficou olhando para aquela vermelhidão e ficou
vislumbrada com o seu aspecto, o líquido iluminava a sua beleza. Nunca havia se
sentido tão bela, com espada e escudo em mãos. Sabia que não era mais donzela.
Deixou-se levar pela sua aparência, e lentamente foi afundando num poço de
decepção.
César estava
estonteante. Sua capa dourada, suas botas de couro, seu cetro banhado a
diamante. Todos se ajoelhavam aos seus pés. Deixem
o rei passar, aqui esta o mestre de todos vocês. Sou o dono do fogo e do gelo,
minha alma revestida de poder, o mundo obedece as minhas ordens como lei. César
se achava o dono do mundo. Gostava de ver as pessoas se humilharem perante a
sua presença. Poderia vangloriar ou destruir qualquer um de seus súditos.
Na praça central,
ele tirou a coroa da mão de seu filho. Ele próprio se declararia rei. Com os
olhos vermelhos de poder, César se auto proclamou rei. Todos na praça o
aplaudiam, seria o símbolo do poder centralizado.
Depois de acenar
para todos, César foi direto para a sala do trono. Queria desfrutar logo de
todas as suas regalias. Na sala do trono havia vários de seus servos mais
fiéis. César continuou a sua caminhada, quando sentiu uma pontada no estômago,
um de seus servos lhe esfaqueara. Não
posso perder, não posso perder justo agora. Com esperança, César continuou
a sua caminhada em direção ao trono, só faltavam alguns passos. E recebeu mais
uma facada, mais uma, mais uma. Estou tão
próximo. As duas últimas facadas foram fatais. César viu seus pais o
esfaquearem friamente. Não chegarei até o
trono.
Antes de ser coberto pelo véu da desilusão,
César disse:
-Até vocês.
E seu corpo cedeu à
gravidade.
Fernando estava
entusiasmado com a beleza da carruagem. Seus bancos eram macios, revestidos de
cor prata. A Floresta Sem Dono de repente sumiu aos seus olhos. Voavam pelo céu
azul escuro.
Soube que não tinha
medo de altura.
Desde criança
sonhava com o mundo aos seus pés. Queria conhecer os segredos que envolvem o
céu e a Terra. A imortalidade era cobiçada como um troféu. Seria tudo e nada.
Alguém e ninguém até o final do universo. O dono do mundo. Vislumbrando as
estrelas e as nuvens perto de seus olhos. A Carruagem Invisível o levava até os
sonhos mais imaculados.
Os Cavalos Alados
pararam próximos a uma cachoeira em meio ao céu. Fernando podia apreciar o céu
em cor alaranjada com o nascer do sol. O vento acariciou o seu rosto com
leveza, a magnífica natureza atraiu o seu olhar. Desceu da carruagem nu, foi
encoberto pelas nuvens que traziam água pura. Parecia uma piscina, com toda
aquela cascata caindo do alto de uma colina verde esmeralda. As cores
triunfavam pela sua visão. Nunca havia visto uma paisagem tão bela.
Mergulhou naquela
águas encantadas. Saboreando sua vitória. Foi acompanhado por sereias e
golfinhos. Cada vez mais profundo. Não escutava mais sons de passos. Apenas
pensava em nadar silenciosamente pelo mundo. As pessoas da Terra não faziam
mais parte de sua vida. Uma fumaça branca rodopiou pelo seu corpo afundado nas
águas. Aquilo cheirava a magia.
O riacho do amor
era puro e imortal. Fernando sentia alegria ao aproveitar tudo aquilo. Aquele
aspecto sobrenatural lendário o divertiu durante semanas. Até o momento em que
começou a sentir falta de uma pessoa.
Aquela cachoeira
não parecia descarregar águas tão limpas, os golfinhos não conseguiam falar,
nem as sereias conseguiam lhe seduzir. Queria alguém com quem pudesse
compartilhar toda aquela alegria. Tivera a oportunidade de ser feliz para
sempre, nas costas do Universo. Porém, tudo foi despejado quando sua ambição
falou mais alto dentro do seu coração.
Não quero mais ficar aqui. Não vou aguentar
viver sozinho meus sonhos. O que são os sonhos se eu não posso mostrá-los para
as pessoas? Sonhos que pareciam ter virado pó com o tempo. Nada mais
importava. Um sorriso de alguém. Um abraço carinhoso, um beijo sincero.
Qualquer coisa poderia ser melhor. Porque duas pessoas se completam. Talvez
isso seja o amor. Talvez isso seja amar.
Fernando voltou para a Carruagem Invisível observando o céu azul claro.
Viajou por várias paisagens deslumbrantes pelo Universo. Conheceu planetas
novos. Mas não havia mais ninguém com que pudesse conversar. Às vezes começava
a conversar sozinho. Tinha medo de esquecer-se das palavras, de esquecer o
sentimento humano. Sua vida estava condenada a admirar o céu. E lá ficava
Fernando, a cada dia sentado em uma nuvem, procurando entender sua morte.
Um dia era azul,
outro cinza, algumas vezes ficava laranja. A vida também era assim, ás vezes
ele sorria, ás vezes ele chorava, mas continuava a apreciá-la. Até o dia em que
ele vivesse somente para não morrer. E a partir desse dia sua vida seria feita
de amargura, como a que vivia hoje.
Fernando gostaria
de apagar o céu e terminar o mundo.
Contudo, mais uma
vez seu egoísmo falaria mais alto.
Um sorriso
despertou pelos seus lábios.
Viajaria mais
uma vez pelos sonhos, sem aproveitá-los!