19 de jun. de 2013

O meu cartaz

A criança acordou de um sonho estranho. Uma fera sentada numa cadeira com os olhos vendados e uma luz circular em sua volta iluminavam o local. Enquanto isso, a criança continuou na escuridão, repleta de silêncio e covardia. Dançando com o vislumbre da invisibilidade e com o tremor da incompreensão, seus passos lentos e meticulosamente programados. Um pra trás, dois pra frente, com movimentos leves que se tornaram brutos. Com corpo e alma que se tornaram um só. Rodopiava em torno da fera como se sua dança fosse uma assombração. Queria vencê-la! Espalhar seu sorriso, espalhar seu encanto. Superar suas angústias, superar seu espanto.
Com delineações embaçadas, a atmosfera se transformou no espetáculo que sempre sonhou, como se a realidade pudesse ser transformada num local muito mais igualitário do que a própria complexidade humana. Um paraíso terrestre.
Porém, faltava a criança um último problema a ser resolvido. A fera. O que fazer com algo que causa tanta devastação e infortúnio?
De repente, a criança se jogou na luz e perguntou a fera:
- O que fazer com você?
- Mostre-me a luz, mostre-me seus olhos- implorou a fera- Não posso lutar com algo que não posso ver, que não posso... sentir.
- Quem disse que estamos perto de travar uma batalha?
- Nem todas as batalhas são físicas, nem todas as batalhas apresentam inimigos reais. Algumas defendem ideias, outras novas ideologias, novos mundos, maneiras de pensar. Você poderia substituir a palavra batalha pela expressão ultrapassar obstáculos talvez.
Nesse momento, a criança cobriu o rosto da fera com um capuz. Colocou uma arma em suas mãos. Bateu-lhe e chutou-lhe por várias vezes em diversas partes do corpo. Deixou-a no escuro perante a eternidade e depois a jogou no lugar mais desprezível do universo.
A criança cresceu, virou pré-adolescente, adolescente e adulto.
Na sua festa de quarenta anos admirava a sua beleza perante o espelho que tantas vezes mostrou o belo sobre a podridão. Exatamente aquilo que os mais unidimensionais gostariam de observar.
Apalpou as faces com cuidado para ter certeza de que ainda estava vivo. Jogou perfume no corpo para melhorar o cheiro esdrúxulo de sua alma. Caminhou para o salão principal recheado de luxo como se fosse um verdadeiro sultão. Dançou, ganhou dezenas de presentes de pessoas que nem sequer se preocupavam com a sua felicidade e bem-estar, bebeu champanhe e cortou o bolo.
Naquela noite, antes de trocar de roupa para se deitar, o adulto observou a fera pela janela próxima à entrada de sua residência.
E a fera olhou-o de uma forma intensa e raivosa. Pulou o muro. Invadiu a sua casa, ela estava pronta para se vingar. O adulto podia sentir. O vento levava um frio que causava medo a sua alma, ao seu coração. E a fera já devia ter entrado sem qualquer resistência. O adulto empurrou alguns móveis para tentar manter a porta fechada, porém todo seu esforço foi em vão.
A fera entrou.
O adulto começou a andar para trás, até que tropeçou em algo e caiu na cama.
A fera se aproximou.
- Deixe-me ver seus olhos -disse ela- Engraçado, não vejo nenhum vislumbre de luz.
- Estou sonhando?- perguntou o adulto.
- Só se for um pesadelo- A fera deitou na cama e passou a mão pelos cabelos do adulto- Feche os olhos e durma. Durma- disse num tom de voz parecido com as de canções de ninar- Não há nada a se fazer!

2 comentários:

Luiz Fellipe Torrano disse...

PQP Gui vc ta foda, muito bom, refletindo a atualidade, espero que o desfecho real também seja assim!

Mari disse...

Ficou incrível!

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