16 de ago. de 2013

Uma xícara de chá

Emma assoprou com força, mas mesmo assim o líquido fumegante quase queimou a sua língua.
Thelma, sentada com um vestido preto de renda estava com as pernas cruzadas e com um sorriso no rosto marcado por dezenas de plásticas.
As duas estavam frente a frente, sentadas confortavelmente em cadeiras fabricadas com madeiras obtidas ilegalmente na floresta Amazônica.
- Está muito quente, querida? – perguntou Thelma com seu sorriso peculiar.
Emma colocou a xícara de volta ao pires, limpou os lábios com um pano de seda e pegou uma colher de sopa para mexer o chá.
- Nada que não possa ser contornado com um sopro ou seus luxuosos talheres.
- Sempre tão gentil.
- Aprendi com você – piscou Emma e depois de alguns segundos perguntou- E como está George?
- Trabalhando, como sempre. Ele sabe que precisa de muita sabedoria para criar uma família com tantos privilégios como a nossa.
Com as duas mãos tampando a boca, Emma sentiu vontade de rir.
- Desculpa, Thelma. Mas ouvi dizer que George está passando algumas noites na casa de praia em Honolulu.
Thelma levantou-se e passou as mãos levemente pelas pernas.
- Mais chá?
- Não. Obrigada.
- Eu e George sempre vamos passar algumas noites em Honolulu. Não vejo nada de importante nisso. Já David, depois que se aposentou dos gramados, parece estar sempre presente nas festas noturnas de Ibiza.
Emma quase engasgou com o chá, sua xícara quase se espatifou no chão.
- Querida, os nossos maridos precisam suprir certas necessidades- começou Thelma- Nós não devemos nos prestar a certos serviços. Seria muita futilidade. Por exemplo, David foi um astro do futebol, milhares de mulheres sonhariam em conhecê-lo, e ele gostaria de aproveitar um pouco do carinho dessas fãs. Se ele ficasse totalmente restrito a vossa relação, o casamento seria uma infinita amargura para ambas as partes.
- Não, Thelma. Não sou igual a você. Não posso aceitar.
A mulher de vestido preto se aproximou de Emma e pousou a sua mão gentilmente sobre a dela.
- Não precisa aceitar, basta esquecer.
- É o que você faz?- perguntou Emma.
- Sim, é o que eu faço- Thelma começou a se encaminhar para as portas que davam acesso ao Jardim de Inverno vendo os raios de sol despertarem da tarde fria- Tudo na vida tem um preço, e esse é um preço justo a se pagar.
- E se David não fizesse nada disso? E se ele quisesse manter a sua fidelidade aos votos que ele cumpriu em pleno altar?
- Eu diria que azar. Não há nada pior do que um homem fiel, que espera atitudes suas que nunca serão realizadas. Ele começa a perder o encantamento por você a cada dia. Porque não somos rainha e princesas, temos defeitos costurados pelo tempo que nos separa. Quanto mais distante melhor, porque assim conseguimos esconder as fraquezas que permeiam a nossa alma. E nossos reencontros fortalecidos pela saudade podem transformar a nossa relação num pequeno conto de fadas.
Emma levantou-se pensativa e admirou as obras na casa de Thelma, não podia acreditar no veneno que ela despejara sobre o seu exemplar marido.
- Que bonito esses bonecos de pano- Emma tentou mudar um pouco de assunto.
- George trouxe da Indonésia, foram feitos por crianças.
- O país recebeu várias denúncias sobre exploração de trabalho infantil nos últimos anos, parece que até grandes multinacionais estão envolvidas.
- Não nos recrimine, querida. Se nós não comprássemos, outras pessoas comprariam. E pensa pelo lado bom, pelo menos eles estão ganhando dinheiro para sobreviver.
Emma voltou a sentar, não queria discutir sobre trabalho infantil com uma pessoa que não ligava a mínima para os problemas sociais. A história de seu marido perturbava-lhe a mente.
Thelma voltou com os seus anéis de diamante para frente da mesa, com sua cara dissimulada e bondosa perguntou:
- Mais chá?
Fumaça saia pela chaminé.

2 comentários:

Mari disse...

Ficou muito bom!

gabbygruzdiv disse...

Muito bom Gui!!!!!! arrasou :D

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