27 de jan. de 2015

Tão Forte, Tão Frágil

  - Nem sei se estou bem – diz a atendente de um supermercado que acaba de brigar com o marido.
  Seus olhos vazios encontram os da compradora, uma senhora idosa na casa dos setenta anos.
  - Como disse? – perguntou à senhora.
  - CPF na nota? – pergunta a atendente, com um sorriso forçado estampado na cara.
  E assim, os minutos passam.
  - Bom dia...
  - Boa tarde...
  - Boa noite...
  Os ponteiros avançam lentamente no sentido da liberdade extrema. Até que eles a liberam de seu uniforme suado, dos seus dedos calejados, da sua falta de humor, da sua moderada situação.
   Chegou o momento de respirar o ar puro do lado de fora... Sentir teu cheiro, exaltar seu frio ou calor; mergulhar em seus desejos profundos até a mais infinita desilusão. O lado de fora nunca pareceu tão aconchegante.
   Ruas sinuosas e pessoas sem rostos... Beco sem saída.
   Vontade de fazer o errado, de explodir o mundo em mil pedaços... Sinal de justiça/injustiça.
    Ela queria deitar, queria dormir... Mas não podia.
    Estava cansada, estava exausta... Mas funcionava.
    Quando abriu a porta de casa, sentiu o sapato apertar as pontas dos pés.
    O marido, um cara gordo e baixo, começou a anunciar mais um milhão de problemas. Era o que faltava?
    “As interligações, os esforços, não valiam de nada? O que é isso? Não posso ser o fantoche da história? A atriz do cinema? Não posso me calar? Não posso nem ao menos... EXPLODIR?”
   - Você está me ouvindo? – pergunta o marido.
   “Estou cansada, estou cheia.”
   - Estou sim, pode falar querido.
   - Estamos precisando de uma faxineira, essa casa está uma bagunça.
   Então, porque você simplesmente não tira essa bunda nojenta da cadeira e me ajuda a limpar?
   - Eu vou arrumar, amor. Acabei de chegar.
   - Você sempre diz isso. Não está dando. Você não percebe que não está dando conta das suas funções?
   “Sou um objeto perdendo a data da validade. Não presto pra nada, quem sabe enferrujada?”
    As reclamações passam, sempre passam. À noite ele a procura na cama, com a mão boba debaixo do cobertor, percorre os dedos pelo lençol até encontrar a fonte pra saciar os seus desejos.
    Ela pensa em não deixar, em gritar. O coração bate mais forte, num turbilhão de emoções conflituosas. De repente falta ar. Nervosa, ela fica paralisada.
   O marido, fedido e suado como um porco a alcança, no final... monta.
    Ela olha para o céu, e encontra o rosto endiabrado do seu marido.
    Ela olha para as estrelas, e encontra um teto rachado.
    Ela olha para o escuro, e enxerga o relógio.
    Era hora de ser mulher, de trabalhar, de cuidar da casa, do marido. Acordou cedo, pronta para servir.  

Um comentário:

Anônimo disse...

GUI!!
Finalmente voltou, hein!? E voltou com tudo!!!
Ameiii o texto! Hahahaha
Nem preciso dizer que arrasou no assunto abordado, né.
Continue sempre assim!! Beijos <3

Gabby Gruzdiv

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