15 de jan. de 2013

O Vilão IV


“Alguns creem que a morte é um grande portal para outra vida, outros preferem acreditar em um eterno fim. Entre acreditar e temer esse infindável mistério da vida, busco apenas novas chances para recomeçar!”
  
  Joinville-SC
  Na Rua Campos Salles, soldados marchavam até a casa São Luís, onde ficavam as pessoas que não tinham lugar para dormir. O som de seus passos ecoava pela noite fria, suas expressões sérias mostravam que a guerra pela igualdade não havia ficado no passado com o fim da Revolução Francesa.
   Suzana, uma bela garota de oito anos dormia no chão com os cabelos negros bagunçados, a pele suja de terra e o casaquinho vermelho e a calça jeans rasgados. Seus pés descalços às vezes não a deixavam dormir nos dias de frio, mas dessa vez ela logo encontrou o caminho que a levava ao mundo dos sonhos. Lá a sua barriga não roncava de fome, as pessoas não a olhavam como um lixo e não se escondiam da sua presença.
   No mundo dos sonhos podia vestir meias bem quentinhas, podia fingir que tinha uma família, que tinha uma cama. Só pedia isso, pouca coisa para alguns, muita para outros.
   Quando as portas da casa São Luis bateram na parede com um estrondo, caras armados apareceram na porta, o seu coração começou a bater mais forte. Vários soldados entraram na casa e começaram a acordar as pessoas. Um deles foi de encontro a Suzana, mas ela nem sabia o que dizer, ninguém falava com ela pelas ruas. Será que eu sei falar?, pensou.
  - Vai ficar tudo bem- disse o soldado, acariciando o seu cabelo- Logo esse sofrimento chegará ao fim- Ele colocou a mão na arma- Feche os olhos e pense em algo bom.

  Seus pensamentos colidiam igual pipoca. Julieta não sabia como agir, tinha pouco tempo para tomar uma decisão que poderia colocar a sua vida em risco.
  Ficou olhando para Otávio, que já mostrava sinais de impaciência pelas faces, quando olhou para o seu sapato de bico fino e seu instinto falou mais rápido. Otávio foi acertado em cheio nas partes íntimas e Julieta começou a correr pelo jardim. Os gritos de dor dele rasgaram o silêncio, ela começou a andar entre as árvores rumo à entrada principal da mansão.
   Por enquanto estava a salvo, mas as sombras continuavam a persegui-la, Otávio poderia sair a qualquer momento daquela escuridão. Queria gritar, queria pedir socorro. Só que não podia, o prefeito poderia estar em qualquer lugar, pronto para matá-la!
    Uma chuva forte começou a cair quando ela resolveu descansar atrás de uma árvore, seu vestido branco estava sujo e a sua respiração ofegante.
   Faltava pouco para a entrada central e para a sua tão sonhada liberdade.
   Apalpou os seios em busca do seu celular no sutiã e lembrou que o havia deixado em cima da mesa da biblioteca. Levantou-se e continuou andando no meio das plantas para não ser descoberta, viu um dos guias indo de encontro ao outro quando berrou:
   -EI!- Seu berro foi silenciado pelo barulho de um trovão.
   -Você viu Julieta?- disse o vigia para o outro que respondeu com a cabeça em sinal de negativo- O chefe acabou de me instruir para não deixá-la sair da mansão em hipótese alguma.
  Julieta escondeu-se e chorou, estava sozinha.
 
  A chuva ainda caía forte. Seus longos cabelos dourados estavam encharcados. Devia relembrar seu plano pela quinta vez, qualquer falha poderia ser fatal. Primeiro entraria pela janela no salão de festas, depois seguiria até a sala de música e subiria pela escada externa para o segundo andar, e quando entrasse no corredor, viraria à direita e entraria na segunda porta, ligaria para a polícia e ficaria esperando o socorro no banheiro dos funcionários. Falando em funcionários, eles haviam sumido.
   Julieta observava a mansão encoberta pela escuridão, os raios no céu serviam para deixar aquela cena mais sinistra. Parece coisa de filme, pensou ela.
    Com as mãos apoiadas na janela da ala leste da casa, Julieta espiou para dentro do cômodo, não havia ninguém no salão de festas. Quando ela forçou a porta para abrir, a janela obedeceu aos seus comandos com a maior facilidade. Um convite para a morte. Fácil demais! Mesmo assim ela continuou executando o seu plano. Entrou no salão de festas. Acostumada com o escuro, logo Julieta encontrou o interruptor, apertou-o levemente e nada aconteceu. A casa estava sem luz.
    Lentamente, ela puxou a maçaneta e abriu a porta para não fazer nenhum barulho. Olhou para os lados, o corredor estava deserto. A sala de música ficava do outro lado, quando ela colocou a mão na maçaneta um barulho fez o seu coração saltar até a boca. Alguém estava tocando piano. Ela largou a mão da maçaneta, precisava ir para a sala, era arriscado já que esse cômodo dava acesso a todos os lugares da mansão.
    Tã Tanan Tanananan Tananan
    A música clássica despertava tristeza e solidão, combinação perfeita com a chuva forte e com uma brincadeira de esconde-esconde que parecia valer a vida.
    Quando entrou na sala, mãos frias seguraram a sua boca, apertaram o seu nariz e puxaram-na para trás. Otávio estava escondido atrás da porta.
    -Agora você vai morrer, meu amor.
    Julieta deu uma cotovelada em sua barriga e começou a correr rumo às escadas, ela pulou os degraus de dois em dois, até o instante em que Otávio pegou no seu pé e quase a levou consigo lá para baixo.
    Um barulho e um grito de dor foram importantes para anunciar que Julieta tinha tempo de sobra para chegar à biblioteca. Porém, quando chegou lá, a porta estava trancada.
    -Amor- gritou Otávio- Estou chegando- Suas palavras saíram vagarosamente num tom de piada.
   Otávio sempre dizia que ela nunca poderia ir para o terceiro andar. Talvez lá esteja a minha salvação, pensou ela. Correu, correu até encontrar uma porta de madeira antiga no topo da escada. Empurrou-a e foi atingida por uma luz!
  
   Com os olhos fechados, Suzana foi guiada até outro cômodo quando o soldado autorizou que ela abrisse os olhos. Uma extensa mesa cheia de comida apareceu na sua frente.
   -Essa é uma das surpresas do prefeito para vocês. A partir de hoje terão condições dignas para viver- disse o soldado.
   Suzana não sabia rezar, mas dessa vez ela juntou as duas mãos e pediu- Senhor, proteja o nosso querido prefeito de todo o mal!
  
  No terceiro andar, haviam três paredes cobertas com azulejos brancos e uma cruz, do outro lado ficava a varanda. Julieta correu para a varanda e olhou para o chão. Era muito alto. A perseguição chegava ao fim! Otávio nesse momento entrou com uma faca na mão. Os anjos sempre abençoaram a sua vida com conforto e alegria, seu corpo pertencia ás nuvens, ela estendeu os braços para os lados e jogou-se rumo à esperança de um final feliz!
   
   Quando abriu os olhos seu corpo ardia. Não conseguia se mover, ouvia barulho de tambores, o barulho das trevas, magia negra. Julieta repousava em um caixão colocado em uma cova com um vestido de noiva, a chuva incendiava ainda mais a sua dor! Nenhum anjo havia lhe salvado do grande mal.
   -Fechem o caixão- disse Otávio para os encapuzados- Estou enterrando o último sangue nobre de Joinville. Daqui a poucos segundos viveremos em paz!
  Antes de fecharem o caixão, Julieta conseguiu vislumbrar um raio riscando o céu. Isso é um sinal, pensou ela. O bem sempre vence!
  O ar no caixão foi acabando, ela ouviu um barulho, era a última chance para vencer. No fundo do seu coração Julieta sabia que esse barulho era o das baratas querendo entrar no seu repouso eterno. Aos poucos ela foi fechando os olhos. Ainda dava para ouvir o barulho dos tambores. Ou será que era só uma ilusão?
  Alguns segundos depois, baratas andavam pela sua pele morta, ela havia se esquecido de fechar a boca.
 
  Otávio entrou com vestes negras na mansão e viu Alfred com um cálice na mão sentado na sua poltrona.
  -Alfred, entregue a chave- disse Otávio com um ar de cansaço- O jogo acabou!

3 comentários:

Raquel disse...

Muito bom como sempre, o final promete!

Mari disse...

Ficou incrível! Adorei!

Anônimo disse...

O melhor capitulo até agora!

Postar um comentário