“Alguns creem que a morte é um grande portal para
outra vida, outros preferem acreditar em um eterno fim. Entre acreditar e temer
esse infindável mistério da vida, busco apenas novas chances para recomeçar!”
Joinville-SC
Na Rua Campos
Salles, soldados marchavam até a casa São Luís, onde ficavam as pessoas que não
tinham lugar para dormir. O som de seus passos ecoava pela noite fria, suas
expressões sérias mostravam que a guerra pela igualdade não havia ficado no
passado com o fim da Revolução Francesa.
Suzana, uma
bela garota de oito anos dormia no chão com os cabelos negros bagunçados, a
pele suja de terra e o casaquinho vermelho e a calça jeans rasgados. Seus pés
descalços às vezes não a deixavam dormir nos dias de frio, mas dessa vez ela
logo encontrou o caminho que a levava ao mundo dos sonhos. Lá a sua barriga não
roncava de fome, as pessoas não a olhavam como um lixo e não se escondiam da
sua presença.
No mundo dos
sonhos podia vestir meias bem quentinhas, podia fingir que tinha uma família,
que tinha uma cama. Só pedia isso, pouca coisa para alguns, muita para outros.
Quando as
portas da casa São Luis bateram na parede com um estrondo, caras armados
apareceram na porta, o seu coração começou a bater mais forte. Vários soldados
entraram na casa e começaram a acordar as pessoas. Um deles foi de encontro a
Suzana, mas ela nem sabia o que dizer, ninguém falava com ela pelas ruas. Será
que eu sei falar?, pensou.
- Vai ficar
tudo bem- disse o soldado, acariciando o seu cabelo- Logo esse sofrimento
chegará ao fim- Ele colocou a mão na arma- Feche os olhos e pense em algo bom.
Seus
pensamentos colidiam igual pipoca. Julieta não sabia como agir, tinha pouco
tempo para tomar uma decisão que poderia colocar a sua vida em risco.
Ficou olhando
para Otávio, que já mostrava sinais de impaciência pelas faces, quando olhou
para o seu sapato de bico fino e seu instinto falou mais rápido. Otávio foi acertado em cheio nas partes íntimas e Julieta começou a correr pelo jardim. Os gritos de dor dele rasgaram o silêncio, ela
começou a andar entre as árvores rumo à entrada principal da mansão.
Por enquanto
estava a salvo, mas as sombras continuavam a persegui-la, Otávio poderia sair a
qualquer momento daquela escuridão. Queria gritar, queria pedir socorro. Só que
não podia, o prefeito poderia estar em qualquer lugar, pronto para matá-la!
Uma chuva
forte começou a cair quando ela resolveu descansar atrás de uma árvore, seu
vestido branco estava sujo e a sua respiração ofegante.
Faltava pouco
para a entrada central e para a sua tão sonhada liberdade.
Apalpou os
seios em busca do seu celular no sutiã e lembrou que o havia deixado em cima da
mesa da biblioteca. Levantou-se e continuou andando no meio das plantas para
não ser descoberta, viu um dos guias indo de encontro ao outro quando berrou:
-EI!- Seu
berro foi silenciado pelo barulho de um trovão.
-Você viu
Julieta?- disse o vigia para o outro que respondeu com a cabeça em sinal de
negativo- O chefe acabou de me instruir para não deixá-la sair da mansão em
hipótese alguma.
Julieta
escondeu-se e chorou, estava sozinha.
A chuva ainda
caía forte. Seus longos cabelos dourados estavam encharcados. Devia relembrar
seu plano pela quinta vez, qualquer falha poderia ser fatal. Primeiro entraria
pela janela no salão de festas, depois seguiria até a sala de música e subiria
pela escada externa para o segundo andar, e quando entrasse no corredor,
viraria à direita e entraria na segunda porta, ligaria para a polícia e ficaria
esperando o socorro no banheiro dos funcionários. Falando em funcionários, eles
haviam sumido.
Julieta
observava a mansão encoberta pela escuridão, os raios no céu serviam para deixar
aquela cena mais sinistra. Parece coisa de filme, pensou ela.
Com as
mãos apoiadas na janela da ala leste da casa, Julieta espiou para dentro do
cômodo, não havia ninguém no salão de festas. Quando ela forçou a porta para
abrir, a janela obedeceu aos seus comandos com a maior facilidade. Um convite
para a morte. Fácil demais! Mesmo assim ela continuou executando o seu plano.
Entrou no salão de festas. Acostumada com o escuro, logo Julieta encontrou o
interruptor, apertou-o levemente e nada aconteceu. A casa estava sem luz.
Lentamente,
ela puxou a maçaneta e abriu a porta para não fazer nenhum barulho. Olhou para
os lados, o corredor estava deserto. A sala de música ficava do outro lado,
quando ela colocou a mão na maçaneta um barulho fez o seu coração saltar até a
boca. Alguém estava tocando piano. Ela largou a mão da maçaneta, precisava ir
para a sala, era arriscado já que esse cômodo dava acesso a todos os lugares da
mansão.
Tã Tanan
Tanananan Tananan
A música
clássica despertava tristeza e solidão, combinação perfeita com a chuva forte e
com uma brincadeira de esconde-esconde que parecia valer a vida.
Quando
entrou na sala, mãos frias seguraram a sua boca, apertaram o seu nariz e
puxaram-na para trás. Otávio estava escondido atrás da porta.
-Agora você
vai morrer, meu amor.
Julieta deu
uma cotovelada em sua barriga e começou a correr rumo às escadas, ela pulou os
degraus de dois em dois, até o instante em que Otávio pegou no seu pé e quase a
levou consigo lá para baixo.
Um barulho e
um grito de dor foram importantes para anunciar que Julieta tinha tempo de
sobra para chegar à biblioteca. Porém, quando chegou lá, a porta estava
trancada.
-Amor-
gritou Otávio- Estou chegando- Suas palavras saíram vagarosamente num tom de
piada.
Otávio sempre
dizia que ela nunca poderia ir para o terceiro andar. Talvez lá esteja a minha
salvação, pensou ela. Correu, correu até encontrar uma porta de madeira antiga
no topo da escada. Empurrou-a e foi atingida por uma luz!
Com os olhos
fechados, Suzana foi guiada até outro cômodo quando o soldado autorizou que ela
abrisse os olhos. Uma extensa mesa cheia de comida apareceu na sua frente.
-Essa é uma
das surpresas do prefeito para vocês. A partir de hoje terão condições dignas
para viver- disse o soldado.
Suzana não
sabia rezar, mas dessa vez ela juntou as duas mãos e pediu- Senhor, proteja o
nosso querido prefeito de todo o mal!
No terceiro
andar, haviam três paredes cobertas com azulejos brancos e uma cruz, do outro
lado ficava a varanda. Julieta correu para a varanda e olhou para o chão. Era
muito alto. A perseguição chegava ao fim! Otávio nesse momento entrou com uma
faca na mão. Os anjos sempre abençoaram a sua vida com conforto e alegria, seu
corpo pertencia ás nuvens, ela estendeu os braços para os lados e jogou-se rumo
à esperança de um final feliz!
Quando abriu
os olhos seu corpo ardia. Não conseguia se mover, ouvia barulho de tambores, o
barulho das trevas, magia negra. Julieta repousava em um caixão colocado em uma
cova com um vestido de noiva, a chuva incendiava ainda mais a sua dor! Nenhum
anjo havia lhe salvado do grande mal.
-Fechem o
caixão- disse Otávio para os encapuzados- Estou enterrando o último sangue
nobre de Joinville. Daqui a poucos segundos viveremos em paz!
Antes de
fecharem o caixão, Julieta conseguiu vislumbrar um raio riscando o céu. Isso é
um sinal, pensou ela. O bem sempre vence!
O ar no caixão
foi acabando, ela ouviu um barulho, era a última chance para vencer. No fundo
do seu coração Julieta sabia que esse barulho era o das baratas querendo entrar
no seu repouso eterno. Aos poucos ela foi fechando os olhos. Ainda dava para
ouvir o barulho dos tambores. Ou será que era só uma ilusão?
Alguns
segundos depois, baratas andavam pela sua pele morta, ela havia se esquecido de
fechar a boca.
Otávio entrou
com vestes negras na mansão e viu Alfred com um cálice na mão sentado na sua
poltrona.
-Alfred,
entregue a chave- disse Otávio com um ar de cansaço- O jogo acabou!
3 comentários:
Muito bom como sempre, o final promete!
Ficou incrível! Adorei!
O melhor capitulo até agora!
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