16 de jan. de 2013

O Vilão V (Final)


  Joinville-SC
 

Vinte e Cinco anos atrás





- E o príncipe cortou os espinhos feitos pela bruxa má. O que ele mais queria era salvar a sua amada da maldição do sono, e para isso precisava destruir a bruxa e beijar a princesa. Um amor puro e imortal, capaz de encantar gerações...
- Robin Hood era o típico herói que causou grande alvoroço na história, a sua capacidade de jogar na cara das pessoas a desigualdade do mundo em que vivemos e usar do mal para fazer o bem trouxe um grande questionamento para a sociedade. Será que não existem vilões com cara de mocinhos? E mocinhos com caras de vilões? Esses rótulos sempre foram muito pejorativos. Se o ser humano aprendesse a respeitar mais o próximo o mundo teria menos derramamento de sangue. A violência começa quando o homem aprende a pensar em si mesmo. Para cada pessoa, ela é o mocinho, e para cada inimigo, o vilão. Estou farto dessas histórias cheias de branco e preto, certo ou errado. Irei ler para você histórias com tons de cinza. Onde as pessoas são fracas e fortes, ruins e más dependendo do ponto de vista. Mas acima de tudo, são pessoas!
  Otávio ouvia todas essas histórias com bastante atenção. Desde que encontrara Alfred no orfanato com o seu livrinho mágico, não sentia mais tanta fome, nem tanto frio. As histórias o comoviam e o faziam viajar para outro lugar. Adorava escutar histórias de amor, ficava imaginando em salvar a sua donzela no alto de uma torre com bichos das trevas, derrotaria cada um deles cheio de honra e levantaria a sua espada, selando assim a sua vitória! Até o dia em que Alfred falou que contaria histórias que aconteceram de verdade.
  A primeira delas foi a Revolução Francesa. Alfred relatou todo o sofrimento dos camponeses e toda a futilidade da nobreza, com seus namoros de verão e romantismo a luz de velas. Porém, nenhum desses cavalheiros franceses pensava na desigualdade vivida pela sociedade, queriam apenas usufruir do grande amor e fechar os olhos para a situação lastimável da sociedade.
  Quando Alfred terminou de contar essa história ele perguntou:
-Então, Otávio, você é um nobre ou um camponês?
-Sou um camponês, Alfred. Cheio de feridas no coração.
  Aquelas histórias haviam aberto os seus olhos para o mundo. Otávio começava a entender melhor as pessoas. Naquela noite, enquanto sentava no chão frio, um pensamento atingiu a sua mente.
   Pensei que viveria uma linda história de amor, porém descobri que sou incapaz de amar.
   Dormiu com aquele pensamento. "Robin Hood" e " A Bela Adormecida" eram suas histórias favoritas. Sonhou pensando nas duas juntas. Com um mundo justo e um grande amor!

Dias Atuais
  O Capitão Christian estava no barco Príncipe quando policiais de Florianópolis o abordaram.
-Recebemos uma denúncia- disse o policial- Temos permissão do governo para revistar o barco.
  O Capitão Christian colocou a sua mão na arma, mas logo a largou, dez policias apontavam as armas em direção a sua cabeça.
-Deixe a arma no chão, Capitão- Christian obedeceu e deixou que os policiais vasculhassem o barco.
-Encontramos os corpos dos empresários desaparecidos e dos herdeiros da maior empresa automobilística do país- disse um policial baixinho.
-Quem esta por trás disso?- perguntou o policial que parecia liderar o grupo.
-Eu não sei.
-Sabe sim- disse o policial que chutou a cabeça do capitão- Fale, se você não quiser virar comida de peixe.
 - O prefeito. Ele esta por trás de tudo isso.
 Os olhos do policial ficaram surpresos com essa revelação.
-Chame força máxima- disse ele no rádio- Estamos próximos de iniciar uma Revolução.

-Qual é o seu nome?- perguntou Suzana para o soldado que a fez feliz nas últimas horas. Agora ela vestia uma calça jeans nova e uma blusa preta. Sentia-se uma princesa.
 -Digamos que eu sou o seu anjo da guarda- disse ele, fazendo carinho na sua cabeça.
  Nesse momento um dos soldados bateu a porta aflito e disse:
- A polícia de Florianópolis descobriu tudo, o governo está concentrando força máxima para nos destruir. Precisamos ir às ruas. Lutar pelo nosso povo.
  Seu anjo da guarda beijou-lhe a face.
-O dever me chama, garotinha. Logo estaremos ju...
  Foi quando um barulho de tiro fez as suas palavras se perderem. Antes que Suzana dissesse adeus, os soldados já estavam na rua, prontos para a guerra. Ela fechou os olhos e colocou as mãos para proteger os ouvidos, não sentia mais fome, nem frio. Sentia tristeza. O mundo era injusto.
  O barulho de tiros foi se intensificando, suas mãos já não eram suficientes para proteger-lhe o ouvido dos barulhos. Foi quando decidiu agir por conta própria e saiu para a rua. A noite estava esplêndida, com uma lua cheia soberana no céu.
 Joinville derramava lágrimas, sangrava. Ela começou a correr pela calçada e viu soldados caídos na rua, uma tropa de policiais com escudos invadia a rua.
- O que você está fazendo aqui, garotinha? Volte para a casa- falou um deles.
-Estou procurando o meu amigo. Não posso voltar.
- Volte para a sua família, a cidade esta perigosa. Corra, rápido.
- Não tenho família- E ela saiu correndo em direção à rua em que os policiais haviam entrado. Alguns correram atrás dela, mas Suzana sabia correr muito bem, desde nova a sua vida havia sido uma aventura. Era obrigada a fugir das dificuldades sempre, e os policiais com escudos pesados nas mãos não conseguiram alcançá-la quando ela virou a rua e deu de cara com o seu anjo da guarda.
  Seus olhos estavam sem vida, havia um buraco no meio da sua testa. Um sentimento estranho invadiu o seu coração, sua fantasia havia durado pouco tempo, isso era muito injusto. Merecia mais, merecia uma vida digna, uma oportunidade para sonhar.
 Suzana sentou na calçada e ficou ali contemplando o seu anjo da guarda com lágrimas nos olhos. Ouvia os tiros, os gritos, o sinal da guerra. Dois exércitos marchavam, um contra o outro. Alguns morriam, outros matavam. Ninguém sabia o motivo, eram inimigos sem ao menos se conhecerem.
 O vento gelado atingiu a sua pele, Suzana foi lentamente deitando na calçada. Agora sentia frio, fome, tristeza.
 Quero morrer, pensou ela.
 Gentilmente, ela fechou os olhos do seu anjo da guarda e beijou-lhe a face, fria. Nesse momento ela viu a sua grande salvação, ele estava sentado no cano de uma arma, era quase imperceptível.
 Achei minha salvação. Viverei como uma princesa, pensou ela.
 Puxou o gatilho e pôs um fim nesse mundo de injustiças!

  Alfred levantou-se e colocou uma chave prateada nas mãos de Otávio.
 - Parabéns!- Ele abriu os braços e os dois se abraçaram fortemente, quando os dois se distanciaram, Alfred continuou- Vejo que não precisa mais dos meus serviços! Essa jornada de vinte e cinco anos está chegando ao fim.
 O mordomo se encaminhava para a porta com a cabeça curvada quando Otávio pegou-lhe pelo braço.
 -Só queria que você soubesse que fiz tudo isso por amor- suas lágrimas não conseguiam cair dos olhos.
 -Isso é o que você quer acreditar, Otávio. Sua vida não foi nada fácil. Uma criança passar por aquilo que você passou... Abandonado pelos pais, rejeitado por duas pessoas que não amavam nem a si mesmo...
 -Esquece isso, Alfred. Eu descobri o verdadeiro significado do amor. O respeito acima de tudo. Uma pessoa me ensinou que quando eu levar um tapa é melhor não reagir, e sim dar a outra face para bater.
 - Muitas vidas foram sacrificadas pelo seu senso de justiça. Você não acha que cometeu algumas injustiças?
  Otávio não sabia responder a essa pergunta. Não queria respondê-la. Deu as costas para Alfred para sempre. O destino o havia colocado em sua vida para ele aprender a ser o mocinho da história. Aquelas lições de moral serviam para torná-lo a melhor pessoa do mundo.
  Com erros e acertos, Otávio ficou com medo do futuro. Não sabia o que esperar. Descia as escadas rumo ao porão, as paredes pareciam rir das suas fraquezas. Descia, descia até encontrar uma porta velha de madeira. Enfiou a chave na fechadura e girou. Empurrou a porta. Os últimos segredos estavam prestes a serem revelados.

 Teodoro havia acabado de despertar de um pesadelo, onde dois homens encapuzados batiam na sua cabeça com pedaços de madeira até levá-lo a morte, quando viu Otávio em frente a porta do porão.
   Um brilho de surpresa atingiu o seu olhar. Durante seis anos era Alfred que cuidava da sua prisão. Agora que estava de frente com o seu irmão não conseguia dizer uma palavra.
   O prefeito viu Teodoro num estado lamentável, suas pernas e mãos estavam algemadas, vestia uma roupa branca imunda e rasgada. Usava fralda, Alfred cuidava todos os dias de suas necessidades e dava comida na sua boca. Teodoro sentia uma imensa tristeza, queria gritar com o cara que havia destruído a sua vida, queria matá-lo. Mas não tinha forças para falar, não tinha forças para andar. Não tinha forças nem para chorar no momento.
  - Seis anos- disse Otávio- Você não sabe como eu senti a sua falta. Todos os dias eu sonhava com esse momento, meu irmão- Ele aproximou-se e acariciou a face de ódio do irmão de cabelos dourados e pele branca como a neve.
  Teodoro começava a chorar. A raiva atingiu o seu coração e era impossível conter esse sentimento. Tinha que expressá-lo de alguma maneira.
  - Queria deixar claro que fiz tudo por amor- Otávio também chorava- Eu sempre pude contar com você, Téo. Minha vida no orfanato era uma tortura, no meu coração só havia espaço para ódio e vingança, mas quando eu fui adotado pelos seus pais, tudo havia mudado. Ter uma família para alguns pode ser a coisa mais normal do mundo, mas para mim era um sonho-Ele fez uma breve pausa e respirou profundamente- Não havia ciúmes, você me emprestava os brinquedos mesmo quando eu não merecia. Fazia tudo para você me odiar, mas você sempre me amou. E eu não sabia o que era amar, foi difícil eu aprender a usar esse sentimento dentro do meu coração. Eu queria ser você, te admirava mais que tudo, seu jeito forte de ser, na escola o meu irmão era sempre o mais amado pela turma, porque você respeitava o jeito de todos. Não importava se estava com os tímidos, com os nerds ou com os populares. Seus ideais eram únicos! Teodoro de Alcantra sabia o que era justiça e amor.
- Comida- falou com fraqueza Teodoro, seus lábios estavam brancos.
  Otávio pegou um prato que estava em cima da mesa e começou a dar-lhe comida na boca. Seu irmão estava muito debilitado, mais branco do que podia ser possível. Parecia um morto-vivo.
- O tempo foi passando e o seu carinho por mim continuava o mesmo. Terminamos o colégio quando você decidiu fazer um intercâmbio para Londres. No começo entrei em desespero com a perspectiva de ficar sem a pessoa mais fantástica do mundo ao meu lado. Pode soar egoísta, mas era isso o que eu sentia. Depois fui me acostumando mais com a ideia, era só um ano mesmo... E eu esperei, contava os dias para que você voltasse e quando o dia tão esperado chegou, mamãe havia me dito que você ficaria por lá...
Seu irmão fez um sinal de negativo com a cabeça, sinal de que não queria mais comer.
- Você não vai me soltar? - perguntou Teodoro.
-Claro, havia me esquecido. Mil desculpas- Otávio pegou duas chaves que estavam em cima da mesa e libertou as mãos e os pés de seu irmão.
- Pode me matar- disse Teodoro- A minha vida já foi destruída mesmo, meus sonhos foram afundados no seu oceano de loucuras.
- Não quero te matar- Otávio tentou beijar a sua mão, mas Teodoro puxou-a com força- Quis apenas te proteger. Depois que eu te liguei implorando para você passar um fim de semana em Joinville. Encontramos-nos e eu coloquei um sonífero no seu copo para te proteger. Queria retribuir tudo o que você havia feito por mim. Uma pessoa como você não merece viver num mundo de injustiças, de violência. Esse é a minha grande demonstração de amor. Criei um mundo feito para você com segurança. Sua vida não corre mais risco, não tenho mais a possibilidade de te perder. A cidade nunca esteve tão segura!
 - Você não é o meu irmão. Eu não te amo mais, tudo o que eu sinto por você é raiva e desprezo. Se eu pudesse te mataria aqui mesmo. Seu louco, seu doente.
 -Tudo o que eu fiz foi pelo bem do povo, pelo seu bem.
  Otávio pegou Teodoro pelo braço.
-Deixa eu lhe mostrar a nova Joinville. Logo você vai entender tudo o que eu fiz, viveremos felizes meu irmão, pode apostar.
  Enquanto estavam subindo as escadas, Otávio falava de um de seus assassinatos com a maior naturalidade.
- Eu matei o meu irmão de sangue. Você acredita que ele veio me procurar só porque eu havia virado prefeito e havia conquistado poder? Essa vida esta cheia de interesseiros!
- Você acha que fez justiça?- perguntou Teodoro, que andava lentamente apoiado nos braços de Otávio, que havia ficado seis anos sem andar- Eu quero ver minha mãe, esses anos todos você me obrigou a falar para ela no telefone que eu estava bem...
- Era parte da surpresa. Por favor, diga que gostou do presente. Tudo o que eu fiz foi pensando no seu bem, um misto de justiça e amor.
  O silêncio atingiu os dois irmãos quando entraram na varanda. Teodoro ficou contente em vislumbrar o céu. Algo tão simples para as pessoas, pensou. Às vezes esquecemos como é belo.
 Otávio ficou olhando para as ruas de Joinville. Carros de polícia estavam indo em direção à mansão.
 - Eles vieram me buscar- falou Otávio com um ar de derrotado e com tristeza na voz- Parece que fui eleito o vilão dessa história por todos os leitores.
  Teodoro não dizia nada, apenas sentia o vento acariciar-lhe a pele, era tão boa a sensação de liberdade que ele esqueceu um pouco de todos os temores que havia passado durante esses seis anos.
  Joinville não era a mesma, a cidade tinha perdido a alegria dos risos e os gritos de terror. Havia sangue espalhado pelas ruas, quando a verdade libertou-se da caixa da incompreensão uma guerra tomou conta da cidade.
  O fogo havia terminado. A vida de Teodoro renasceria das cinzas, como uma fênix. Já Otávio seria acusado de todos os crimes.
- Você consegue me compreender?- perguntou Otávio- Podemos fugir e ter o nosso final feliz.
- Não posso, Otávio- Ele levantou as mãos para o céu e agradeceu- A nossa história acabou!

4 comentários:

Luiz Fellipe Torrano disse...

Muito bom mesmo Gui, inesperado o final, grande futuro o espera!!!

Anônimo disse...

Gui, parabens! Amei o fnal dessa historia, não foi nada do que eu pensei mas me surpreendeu! MUITO BOM!!!
Estou ansiosa para ler mais historias assim!!
Beijos!!

Raquel disse...

Final fantástico, não desapontou! Espero que você faça mais séries desse tipo.

Mari disse...

Ficou ótimo!!! Espero que você escreva mais séries assim. Adorei todas as "partes" dessa!

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