29 de mai. de 2012

Zlobu

  "Ás vezes o medo pode ser o produto do silêncio somado com a nossa imaginação na temível escuridão".

   A viagem para a casa do meu pai tinha sido muito cansativa, percorremos uma hora de moto até o litoral de São Paulo. No dia anterior tinha tido a paralisia do sono novamente, Zlobu tinha vindo me atormentar, ele disse que aquela era a penúltima vez que iríamos no encontrar, e que eu precisava me concentrar o máximo possível, se eu quisesse viver uma vida livre e sem dor.
   Desde a infância eu sofria dos mesmos sintomas, durante o sonho parece que eu acordava e conseguia observar tudo a minha volta sem me movimentar, era uma sensação horrível, perdia os movimentos e sentia meu corpo pesado, minha respiração era tão lenta que pensava que aquilo era o fim. Só que antes chegava Zlobu, ele me dizia para eu parar de lutar contra aquela sensação, que eu tinha que controlar o mundo dos segredos.
  -Deixe sua alma sair do corpo, garoto- Só que cada vez que ele falava comigo, minha vontade de voltar ao normal era ainda maior, e depois de alguns terríveis segundos eu conseguia atingir a superfície do lago e retornar a realidade. Com medo de que a paralisia do sono voltasse, eu ficava com medo de dormir. Zlobu era uma criatura dotada de temor. Seus olhos eram vermelhos como o fogo do inferno, seus chifres pontiagudos como a ponta de uma flecha e suas asas negras como um túnel sem fim.
   Naquela noite, sentia que meu destino estava prestes a ser decidido. Meu pai tinha se despedido com um beijo de boa noite e depois seguiu em direção ao seu quarto, e eu fiquei sozinho na minha cama, coberto pela medonha escuridão. A qualquer momento aqueles olhos aterrorizantes poderiam chegar anunciando o meu tormento. Não queria ficar sozinho. Zlobu parecia que gostava de me ver sofrer, meu medo causava um tímido sorriso em seu rosto acorrentado de maldade.
    De repente meu medo começou a aumentar, abri a porta do meu quarto e me encaminhei ao corredor central da casa, a luz da cozinha estava refletindo um pouco sobre a sala e tive a impressão de ter visto meu pai se encaminhando para o sofá.
   "Ufa, estou a salvo", pensei. Porém escutei a porta da sala se abrir, e cheguei atrasado para ver o meu pai, não havia ninguém mais ali. Apenas uma vela apagada em cima da mesa e uma incrível sensação de medo para me atormentar. Aos poucos fui me encaminhando para a porta, logo que abri consegui visualizar uma luz. O jardim estava em chamas e meu pai olhava tudo aquilo de uma forma sobrenatural, ele ainda não tinha percebido a minha presença. Fiquei chocado, sem reação. E foi nesse momento que seu corpo se virou para me deslumbrar.
   Seus olhos eram iguais os de Zlobu. Eu sabia que ele estava ali para me levar. Era o fim.
   A perspectiva da morte juntava com o fogo abrasador, demonstrava como meus pecados estavam perto do lado perverso da humanidade. Um relâmpago clareou o céu quando meu pai disse:
   -Eu não te disse que era a última vez que nos encontraríamos? - e com um revólver na mão ele disparou em meu coração.
   Aos poucos fui caindo no chão, com a palavra pai presa na garganta junto com o sangue que queria escapar da minha boca.
   Enquanto ele se aproximava de mim, comecei a me engatinhar para entrar na sala, assim que eu cruzei esse cômodo, fechei a porta com o máximo de força possível e tranquei antes que meu pai pudesse entrar. Depois disso percebi que havia mais duas pessoas comigo na sala, elas estavam se beijando intensamente num dos sofás, suas mãos trabalhavam com uma velocidade incrível, pareciam que ansiavam aquilo mais do que tudo.
   Comecei a me aproximar lentamente daqueles indivíduos que poderiam trazer a minha salvação. Um era uma mulher vestida de noiva, que quando percebeu a minha presença, pude observar seu rosto podre em forma de caveira e seus dentes amarelados. O outro era Zlobu, a criatura mais abominável dos meus pesadelos.
   Quando percebi o perigo se aproximando, corri pelo corredor para entrar no meu quarto, porém alguém já estava ao meu alcance, virei para trás a tempo de ver o rosto da noiva se masculinizar, e com sua voz grossa, dizer:
    -Eu vou te pegar seu moleque - E com toda a força ela me chutou e eu girei duas vezes antes de meu corpo chegar ao chão.
    Nossos rostos ficaram cara a cara, ela prendeu a mão em volta do meu pescoço e começou a lamber todo o meu lábio, meus gritos de agonia eram abafados por sussurros de prazer para a noiva cadáver. Após alguns segundos implorando pela morte, meu pescoço parou de sentir dor, foi quando meus olhos se abriram e visualizei a noiva levantar um pé na altura do joelho e num só movimento pisar na minha cabeça.
    Só havia escuridão.
    Quando eu escutei um barulho na porta.
    Toc , toc.
    -Você vai se atrasar, filho. Venha tomar o café da manhã.
    "Ufa", pensei pela segunda vez. Tudo tinha sido um terrível pesadelo, agora só queria curtir em paz o fim de semana na casa do meu pai.
    Abri a porta todo feliz para curtir um dia de sol e a vida de forma natural.
    Porém meus olhos se assustaram com várias velas acesas no corredor, depressa abri a porta para voltar ao meu quarto e fiquei espantado com o meu corpo na cama dormindo, olhei para mim mesmo e vi que estava transparente, finalmente tinha me concentrado o suficiente para sair do meu corpo.
    Só que antes que eu pudesse retornar, meu tornozelo foi agarrado, e esse golpe me levou ao chão, Zlobu me arrastava pelo corredor cheio de velas, e meus dedos arranhavam o asfalto, enquanto suplicava pela minha existência.
   -Por favor! Eu te imploro! Deixa-me em paz! Pai!!! Pai!!! Socorro- com lágrimas nos olhos eu sussurrava- Eu não quero morrer! Eu não quero morrer!
  -Fique calmo, garoto. O lugar que te espera não têm dor, nem do que reclamar, sua companhia vai ser você próprio, e nunca mais vai deixar de sonhar.
  Meu corpo foi arrastado para o banheiro, e lá a porta se fechou com um forte estrondo. E caí pela segunda vez na escuridão.
  Acordei mais uma vez, com suor em todo o meu corpo, peguei o meu chinelo e me encaminhei até o quarto do meu pai.
  -Temos que sair daqui o mais rápido possível. Esse lugar é mal assombrado, não quero mais ficar aqui. Por favor, pai. Leve-me para outro lugar, eu juro que serei um bom menino. Por favor!
  Meu pai estava assustado com todo aquele temor que eu demonstrava, fiquei o tempo inteiro atrás dele, esperando ele arrumar todas as coisas para nossa partida.
  Quando passei junto com ele pelo corredor, olhei para o banheiro com um ar de tristeza, depois passei pela sala e não havia mais nada de estranho por ali. Enquanto ele ligava o carro, fiquei do lado de fora, aquela casa tinha me trazido muitos sentimentos ruins, só queria partir daquele lugar de uma vez por todas. Não aguentava mais, minha ansiedade estava me levando a loucura.
   Entrei no carro e pensei "eu não acredito que finalmente eu consegui sair daqui".
   Pesadelos não são mais do que uma grande ilusão criada pelo ser humano, muitos podem ser de um nível tão assustador que pode nos aterrorizar por alguns instantes, contudo logo a nossa razão assume o lugar de destaque, e começamos a perceber como eles são hilários. Como um filme de comédia romântica.
   Estávamos perto de chegar a São Paulo, quando o celular do meu pai começou a tocar. Ele parou no acostamento e disse:
   -Alô!- depois de um tempo, continuou- Eu não entendi. Quem está falando?
  Com os olhos malignos e com a voz baixa, eu disse:
  -Zlobu.
  Num lugar distante o garoto chorava sozinho, com sua alma perdida na eterna inexistência!

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom,Gui!

Gostei bastante! Historias assim prendem o leitor.

Se você puder ver,assista o filme Sobrenatural (Insidious)

Bem legal,aborda o mesmo tema! Bem parecido

Abraço!

Guilherme V. Torrano disse...

Obrigado pela sugestão e pelo elogio. Dessa vez tentei me aventurar num campo diferente do que eu estou acostumado a escrever, por isso foi pra mim um dos textos mais difíceis de fazer e o que eu mais fiquei inseguro em publicar. Já que qualquer derrapada é fundamental para que o texto fique coerente com o tema apresentado ou vire uma verdadeira idiotice. Mas espero ter alcançado o objetivo almejado.
Abraço!

Raquel disse...

Excelente! Sério mesmo, acho que esse é um dos melhores que você já escreveu. Adorei o clima sinistro/sombrio.

Mari disse...

Eu gostei! Não sei por que tanta insegurança... Você é muito bom no que faz!!!
Bj

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